O elefante está solto
O
mundo todo tem acompanhado as inúmeras, massivas e surpreendentes manifestações
que o povo brasileiro tem feito nos últimos meses, tendo a internet como o
local de concentração e preparação e as ruas como palco principal. São
manifestações criticando inúmeros atos públicos, desde o aumento da passagem de
ônibus – fator motivador inicial das manifestações – até a corrupção e
insegurança que afligem a sociedade brasileira.
O
que, de fato, levou o cidadão brasileiro sair às ruas para mostrar sua
insatisfação e, ao mesmo tempo, reivindicar melhorias? Qual foi o motivo de as
pessoas tomarem essa decisão? Foram as conversas de bate papo pelos canais
sociais da internet que as motivaram? Foi mais um modismo passageiro que
milhares aderiram e se uniram para simplesmente participar e reivindicar algo? Ou
foram os meios de comunicação tradicional falido que convenceram mais uma vez o
povo levantar a bandeira contra uma causa? Nada disso.
Podemos
dizer que essas manifestações são uma surpresa ou uma esperada ação coletiva? Pois
bem, para mim foram as duas coisas. Surpresa, pois nosso histórico de
passividade sempre prevaleceu e sempre permitiu que, numa sociedade
democraticamente administrada, a corrupção constitucionalizada fosse descaradamente
livre e solta, tendo a impunidade como instituto de proteção em prol do
corrupto. Leva-se em conta ainda uma sociedade totalmente desorganizada e
descompromissada com o bem público.
Por
outro lado, foi inevitavelmente essa atitude de rebeldia de um povo que fez
questão de mostrar aos seus líderes o quanto está cansado de tanta corrupção e
descaso daqueles que a sociedade elege para representá-la e para administrar a
máquina pública. E essas ações na prática ocorreram graças às redes sociais eletrônicas,
que foram, sem sombra de dúvida, o mecanismo de concentração e de
fortalecimento que levou a sociedade a se unir para, criticar, reivindicar e
protestar contra diversas irregularidades.
As
inúmeras manifestações ocorridas por todos os cantos do Brasil são fortes
indícios de intolerância de uma sociedade cansada de ser enganada, roubada e
manipulada por políticos incompetentes, corruptos e maus intencionados, que
mancharam o Congresso Nacional, mancharam a Pátria brasileira com seus
interesses obscuros, estando eles investidos em cargos constitucionais que lhe
garantem fazer tudo que interessa aos seus motivos pessoais e não aos motivos da
coletividade, uma vez que a própria sociedade sempre permaneceu passiva e a
impunidade sempre prevaleceu para a classe política. E essas manifestações
sobraram até para a velha mídia, condenada pela sociedade como cúmplice da
corrupção.
Que
o povo brasileiro é apaixonado por futebol, o mundo todo sabe. Isso é histórico,
é envolvente, contagiante até! Ele ri, ele chora, comenta, sofre e ele é capaz
de fazer qualquer coisa pelo seu time. Qualquer coisa mesmo! O decorrer dos
tempos fez com que o povo brasileiro não se apaixonasse e nem importasse muito
pela política como tem se apaixonado e se importado pelo futebol. E isso é
lamentável, de certa forma. Eis aí o porquê de toda essa corrupção pública. Somos
ótimos comentarias esportivos, técnicos de futebol, mas não somos bons ao
falarmos de política e administração pública. Sem falar que o conceito de coisa
pública não é bem definido na cabeça da maioria das pessoas. E isso justifica o
descaso que o brasileiro sempre deu para esse tema. Sai presidente, entra
presidente; sai prefeito, entra prefeito e o máximo que fazemos é eleger os
candidatos e depois criticá-los por erros e falcatruas.
O
que estamos vendo nas ruas não é sinal de amadurecimento político da sociedade
brasileira. Ainda não. O que estamos vendo nas ruas é uma excepcional revolta
genuinamente popular, originada por uma forte indignação coletiva. Não se trata
de uma manifestação pública contra um governante qualquer, um partido político
qualquer ou contra um tema qualquer. É um forte interesse por questionar aquilo
que a sociedade, a tempo, vê como errado e nunca fez nada. Não se trata de um amadurecimento
político, não podemos descartar um forte sinal de um despertar da sociedade
pelas causas públicas.
A
pergunta que podemos tirar dessas manifestações é essa: Como não existe
dinheiro para investimento na saúde, na segurança e na educação se existe para
mega reforma de estádios de futebol? O povo não é idiota! E tolerância tem
limite. Indignadas, as pessoas saíram decididamente às ruas, em milhares, para
cobrar explicações e, mais importante ainda, cobrar mudanças para melhoria de
nossas instituições públicas, com o fim da corrupção e com a utilização
apropriada do dinheiro público. E nossos governantes só não percebem mesmo por
não quererem perceber.
Pessoas
mal intencionadas sempre existiram aonde quer que estejamos. A sociedade
brasileira precisa aprender a se envolver mais na vida política se ela quer
menos corrupção, mais comprometimento dos políticos e maior transparência das
coisas públicas. E para isso não precisa ser político ou especialista. Precisa
ter consciência de que as pessoas, como cidadãos, devem se envolver para
fiscalizar e cobrar resultados. É essa consciência que precisamos ter. Devemos
ser fiscais daqueles que optamos em colocar na administração pública. Em outras
palavras, não tem mais sentido algum ficarmos a reclamar das falcatruas
descaradas e não agir.
A
sociedade brasileira foi, por bom tempo, aquele enorme elefante preso apenas por
um cordão. Hoje esse elefante percebeu que está solto e que pode agir, pode
correr, pode impor sua tão grande força. Agora, com a consciência de sua força,
a sociedade precisa se organizar, acompanhar e cobrar cada dia mais das
lideranças, em todas as suas esferas. A sociedade precisa ser comprometida com
a política, com o bem público, com os temas voltados à coletividade. Só assim
poderemos – e conseguiremos – fazer do Brasil um país verdadeiramente justo e
fraterno. E isso é crescimento. Um país é aquilo que seu povo representa e
deseja. E a Democracia deve ser plena e eficiente, caso contrário perde a razão
de ser. Então, vem prá rua, porque a rua é a maior arquibancada do Brasil!