sábado, 5 de novembro de 2011

SE NÃO BASTASSEM O LEGISLATIVO E O EXECUTIVO, ATÉ TU, JUDICIÁRIO?




Ministra Eliana Calmon, Corregedora do CNJ (Foto: VEJA)

Recentemente acompanhamos a manifestação da ministra do Superior Tribunal de Justiça (STJ), Eliana Calmon, onde afirmou que “o Judiciário está contaminado pela politicagem miúda, o que faz com que juízes produzam decisões sob medida para atender aos interesses dos políticos, que, por sua vez, são os patrocinadores das indicações dos ministros”. Oras, por que essa afirmação?

Recém-empossada no cargo de corregedora do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), a ministra passa a assumir nos próximos dois anos a incumbência de fiscalizar o desempenho de juízes de todo o país. E sabemos que não é tarefa fácil, já que os magistrados nunca aceitaram a ideia de serem monitorados naquilo que fazem ou deixam de fazer. Nunca viram com bons olhos o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), órgão fiscalizador do Judiciário.

Por exercer uma função especial na sociedade, o juiz é detentor de muito poder. Um poder institucionalizado que o faz tornar além de um manipulador do direito. E essa distinção de poder se expressa perante a sociedade por diversos modos, a começar pelo uso da toga, uma roupa diferente que o povo romano utilizara para distinguir-se dos escravos e que a magistratura faz uso até hoje. Nos fóruns, nos momentos de julgamento, nota-se a figura do juiz em um patamar elevado em relação aos promotores, advogados e réus, o que é notória a expressão de poder emanada pelo magistrado. É invocado por todos que a ele se aproximam pelos pronomes de tratamento “meritíssimo”, aquele que tem grande mérito, muito digno; e “excelência”, aquele de grau máximo de bondade, qualidade ou perfeição.

Possui ainda altos salários e benefícios que outras classes não detêm. Seu cargo é vitalício e, quando se aposenta, o seu salário é integral. Essa expressiva distinção tem um motivo válido. Ao juiz cabe o dever de proteção da Constituição Federal, do Estado e dos direitos de justiça de cada cidadão. É a pessoa instituída de autoridade pública para reger a justiça em todas as suas esferas. Compete a ele o equilíbrio na busca dos fatos, de modo a levar em conta como a sociedade aceita os casos em análise, devendo encontrar nas leis a solução mais eqüitativa para o caso em questão, sempre de modo imparcial e racional.

O Artigo 125 do Código de Processo Civil – CPC estabelece os seguintes deveres do juiz, a saber: I - assegurar às partes igualdade de tratamento; II - velar pela rápida solução do litígio; III - prevenir ou reprimir qualquer ato contrário à dignidade da Justiça; IV - tentar, a qualquer tempo, conciliar as partes.

Voltemos ao tempo para entendermos um pouco mais a função da jurisdição. Thomas Hobbes (1651), John Loche (1689) e Jean-Jacques Rousseau (1762), os mais expressivos filósofos do contratualismo, já discutiam a ideia de contrato social. E o ponto de partida para essa discussão é a ausência de qualquer ordem institucionalizada, onde prevalecia o estado natural do ser, em detrimento de um estado social – a sociedade. Trata-se esse estado da ausência de sociedade e, por conseguinte, de regras de conduta para que haja uma organização social entre as pessoas. Com o surgimento do contrato social, os indivíduos não renunciam a seus direitos naturais, pelo contrário, pactuam a proteção desses direitos. É quando os homens deixam de resolver seus conflitos através da força, resolvendo-os por intermédio da Justiça.

Eis que surge o Estado, com o objetivo de proteger os diretos de cada indivíduo. Desse modo, o Estado passa a ser a instituição protetora da vontade geral, que, por sua vez, difere da vontade de todos os indivíduos. E nesse cenário a figura do magistrado é marcante, pois é ele quem representará o Estado de direito, a vontade geral.

Desse modo, o papel do magistrado é tão importante e nobre na sociedade, já que compete a ele a incumbência de arbitrar os conflitos sociais, que é fundamentalmente necessário que hajam garantias institucionalizadas que assegurem os poderes nele investido de exercer a função com jurisdição e juízo.

E é nesse ponto que quero aqui chegar. Os poderes e garantias dados pelo Estado aos juízes de direito não surgem por acaso. O Código de Ética da Magistratura, criando em 8 de dezembro de 2008, fala em independência, imparcialidade, transparência, integridade pessoal e profissional, diligência, dedicação, cortesia, prudência, sigilo profissional, conhecimento, capacitação, dignidade, honra e decoro. E do mesmo modo que o cidadão é obrigado a cumprir as leis, o indivíduo, quando investido em seu poder de juiz, também assim o deve fazer e de modo exemplar. Mais do que qualquer outro onde quer que esteja investido. Portanto, a reputação de um juiz deve ser sempre inabalavelmente decente, pois uma vez denegrida a sua imagem por desonra ou por falta de decoro, denegrida será a sua moral perante a sentença por ele deferida ao caso concreto.

Os poderes Legislativo, Executivo e Judiciário fazem a tríplice da supremacia. É assim que nossa democracia constitucionaliza os direitos e deveres de todos. Deparamo-nos com uma enxurrada de corrupções advindas das mais variadas esferas do poder público. E isso os meios de comunicação de massa têm divulgado todos os dias. E todos os dias um ou outro é indiciado por algum ato ilícito que supostamente cometeu ao erário, ou seja, à própria sociedade brasileira. E para combater esse mal, eis que existe o órgão Judiciário que jamais deveria fazer o perverso jogo de combinação, troca de favores, entre juízes e políticos.

As instituições brasileiras, de um modo geral, estão maculadas ao ponto de estarem desacreditadas pela sociedade. E não falta motivo para tanto. Refiro-me aos poderes institucionais, que estão manchados de corrupção e indecência por muitos que lamentavelmente ocupam qualquer cargo desses poderes. Do mesmo modo, parece que lamentavelmente nosso Judiciário caminha para o mesmo trágico destino.

Não há de se falar na criação de mais leis com o objetivo de censurar isso ou aquilo. Pura tolice. O que se precisa fazer, todavia, é moralizar e fazer cumprir com as existentes, que são mais que suficientes para inibir e reprimir o indivíduo que comete qualquer crime contra o Estado. A lei precisa ser severamente punitiva. Na verdade, é preciso que nosso casto Judiciário tenha ética, decência e honre a Constituição Federal, honre seu estatuto e reprima veementemente todos e quaisquer atos de decoro, atos de corrupção, atos que venham manchar a honradez de nosso Estado, de nossa Bandeira, de nossa moral, de nossa sociedade. Faça-se cumprir as leis.

E se uma instituição é honrada e segue à risca os princípios e condutas éticas que espelham a mais virtuosa seriedade e respeito à sociedade, por quê não se permitir que seja fiscalizada por um conselho composto por seus pares? Isso não autenticaria a transparência da postura ética e exemplar que compete ao Poder Judiciário?

É preciso que nossa Magistratura seja moralizada, faça valer seu poder de decência e ética, caso contrário estaremos fadados à banalização definitiva de nosso poder maior, nossa Constituição Federal, e, disso, resultar em um descontrole social de conseqüências alarmantemente incalculáveis. Estaremos fadados ao fim de uma sociedade constitucionalizada para retornarmos ao estado natural do ser. Aí será um Deus nos acuda. E olhe lá se ele quererá acudir-nos! Temo ser tarde demais.